“Minha força está na solidão. Não tenho medo de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite”. Clarice Lispector escreveu isso. Lendo essas palavras, o mais impressionante, porém, não é a ideia de que minha força possa estar na solidão, e sim que eu tenha me acostumado a procurar minha força em toda parte, exceto na solidão.
Saia de casa. Vá à festa. Ao bar. Ver gente, dizem. Não sendo possível, existem entorpecentes ao alcance da mão: a televisão solidária, o correio eletrônico em que smiley faces de óculos escuros pesam o mesmo que um parágrafo inteiro, 140 caracteres para contar como chove ou como vai a dor de cabeça. Um novo toque no celular, com uma nova mensagem de texto. amizades “light” nos sites de relacionamento.
E a solidão, aquele monstro, fica ali no canto, de olhos meio vidrados, se esquecendo de rosnar, a baba imobilizada no canto da boca.
Mas, e se minha força estiver na solidão e eu estiver, por pura tolice, confundindo heróis e vilões?
Afinal, eu também sou o escuro da noite. Eu também sou o que sobra em casa depois que todo mundo saiu e o que sobra na cidade depois que todo mundo foi dormir.
Eu também sou isso, o silêncio que existe de dentro pra fora, como algo que se alastra, que transforma até o ruído externo numa coisa sem sentido. Eu também sou eu, apenas eu só. E mais nada nem ninguém, mesmo na esquina mais movimentada da maior cidade do mundo. Mesmo no meu lugar preferido do mundo!!!
Também sou o último passageiro do ônibus, e a voz que ninguém ouviu.
É preciso grande humildade pra coabitar comigo, porque não ter medo d chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, é não camuflá-las com auto-ajuda.
Mas, só tenho como ser o claro do dia sendo, também, o escuro da noite. Do contrário, a minha vida é rasa e os meus sentimentos, pequenas pérolas falsas. Dito de outro modo: só tenho como acompanhar e me fazer acompanhar se descriminalizar em mim a solidão.