“Vai no cabeleireiro, No esteticista
Malha o dia inteiro.Pinta de artista
Saca dinheiro.Vai de motorista
Com seu carro esporte,Vai zoar na pista
Final de semana Na casa de praia
Só gastando grana,Na maior gandaia
Vai pra balada,Dança bate estaca
Com a sua tribo Até de madrugada
Burguesinha, (5x) Só no filé
Burguesinha,(5x) Tem o que quer
Burguesinha, (5x) Do croissant
Burguesinha, (5x) Suquinho de maçã”
Então, passei uma boa parte da minha vida sendo “xingada” de filhinha de papai, paty, patricinha, riquinha, burguesinha, etc. Quando digo essas palavras, quero me referir a uma pessoa fútil na sua essência, vazia, egoísta e egocêntrica,alienada…
Acontece que a grande maioria das pessoas que me “xingava” dessas coisas, na verdade, sequer me conhecia direito. Não sabiam quem eu era, como eu era, tampouco de onde vim, minha história de vida…durante um bom tempo isso me chateou bastante. De uns tempos pra cá, não muito mais…talvez porque hoje eu tenha mais bem definido na minha mente quem eu de fato sou.
Já fui discriminada por ser tachada assim na escola, na rua, na vizinhança, na igreja (pasmem!!), e até no trabalho! Nunca esqueço, por exemplo, de um dia em que, no meu primeiro emprego, um colega de trabalho, me comparando com outra moça da mesma empresa, perguntou quantos sapatos ou bolsas eu tinha e eu respondi, inocentemente, que não sabia (como, de verdade, até hoje não sei!). No mesmo dia, ele me viu escovando os dentes com uma escova de dentes elétrica daquelas à pilha, o que foi o suficiente para que durante muito tempo ele “encarnasse” na “patricinha” aqui. O legal deste episódio é que os meses foram passando, ele foi me conhecendo cada vez mais, nos tornamos bons amigos, e de uma maneira muito natural aquela imagem da burguesinha-mimada-fresquinha que ele havia montado na cabeça dele a meu respeito foi desfeita.Até hoje a gente lembra junto dessa história, e ri…!!!
Lembro que o que mais me chateava(chateia) quando aconteciam episódios semelhantes (hoje em dia, cada vez mais raros, graças a Deus!!) era justamente o fato da pessoa me rotular sem antes me conhecer! Bastava uma mera impressão, ou, de repente, ter ouvido um comentário (invejoso, na grande maioria das vezes, diga-se de passagem) de uma outra pessoa a meu respeito, e pronto: “Aquela ali? É a Ana Paula. Paty, enjoada, fresca, metida, filhinha de papai…”. Uma das frases que mais ouvi em toda a minha vida? “Poxa, você é legal! Quando te via, achava que eras chata, fresca e metida!”.
Bom, na real eu sou uma pessoa tímida. Quando estou em ambiente familiar, com pessoas amigas, conhecidas e com quem tenho intimidade, fico super solta: rio, brinco, converso, etc. Mas, não sou o tipo de pessoa “dada”, sabe? Daquelas que chega num ambiente e já vai falando com todo mundo, se entrosando, fazendo amizade, sorrindo, gargalhando…não, não, esta definitivamente não sou eu! E, por não ser assim, por ser séria, na maioria das vezes, e recatada, “na minha”, quem me vê, chega a pensar que sou “metida” e “fresca”.
Acontece o seguinte: minha mãe veio de família rica, mas nunca teve nada na mão assim, fácil, teve que trabalhar desde cedo e bancar os próprios estudos, tendo ralado pra caramba, como rala (e muito!!) até hoje. Meu pai, veio de família rica que perdeu tudo graças ao alcoolismo e estilo de vida boêmio do meu avô, o que, de igual modo, fez com que meu pai tivesse que, desde pequeno, “pegar na enxada” e levar a sério os estudos se quisesse mudar de vida, o que ele acabou conseguindo alcançar, tendo sido funcionário público de alto escalão, aprovado em Concurso, durante mais de 30 anos.
Como se vê, nenhum dos dois nasceu em berço esplêndido, assim como eu também não nasci! Pelo contrário…minha mãe me teve em hospital público…e lembro com bastante clareza de quando era pequena e morávamos em casas simples, alugadas, andávamos de ônibus por não termos carro (eu passava mal a beça por causa do vai e vem dos coletivos, o que um dia comoveu minha avó materna, que acabou pegando parte de suas economias e deu a meu pai para comprar um fusca e, assim, eu não precisasse mais andar de ônibus e passar mal! – o fusca foi comprado, depois vendido, e ficamos ainda mais alguns anos sem carro próprio). Com o passar dos anos, pude acompanhar, mesmo sem entender direito, o progresso financeiro e profissional dos meus pais, e eu via isto refletido dentro de casa: lembro quando compramos o terreno onde atualmente fica a casa em que moro com meu pai; recordo quantos anos – no mínimo uns 5 – esta casa passou sendo construída, com o dinheiro do salário deles, aos pouquinhos…; lembro do primeiro carro depois do tal fusca, um fiat todo remendado! E depois, um escort, um chevette, um monza, tudo de segunda mão…; tenho memórias de quando pudemos, finalmente, ter o segundo carro (um da minha mãe e outro do meu pai).
Se eu disser que tive uma vida ou uma infância “pobre” ou apertada, estaria mentindo, pois não tive. Apesar dessas lembranças de um começo mais “humilde”, acho que o fato de ter acompanhado, ainda que inconscientemente, o gradativo crescimento financeiro deles, fez com que eu encarasse tudo da forma mais natural e simples possível! Nunca me faltou nada, materialmente falando, especialmente enquanto meus pais eram casados. Viajávamos de avião todas as férias, ou íamos à praia em quase todos os feriados, comíamos fora com certa frequência, sempre estudei em colégio particular, e nos melhores da cidade, enfim, recordo de poucas vezes em que pedi algo a meus pais e ouvi “Não!” como resposta, ou “Não temos dinheiro para isso!”. Talvez até, hoje eu reconheça que deveria ter ouvido mais “nãos”…eles são bons pra formação do caráter da gente. Computador, celular, CD, DVD, eu lembro que tivemos essas coisas em casa logo que eram lançadas…E olha, quer saber de uma coisa? Eu não vejo motivo algum pra me envergonhar disso, ou pra querer esconder essas coisas. Meus pais não roubaram de ninguém, muito pelo contrário…ralaram pra caramba! E hoje eu sei que eles faziam isso por mim, pela minha irmã, justamente pra poderem dar o melhor pra gente, aquilo que eles não tiveram dos seus pais, queriam dar às suas filhas, e eu acho isso muito bonito e é motivo de orgulho pra mim!! Sabe porque? Porque, mesmo tendo (quase) tudo, eu não fui educada para ser uma garota mimada! Fui muito bem educada pelos meus pais, a saber ser grata por tudo o que tinha, que nem todos possuíam aquelas condições, a saber dividir aquilo que me era dado, não esbanjar, muito menos esnobar para os outros…Agora, se para quem olhava de fora, o fato da gente viajar e passar tardes e tardes nos shopping centers e voltar pra casa com o porta-malas do carro abarrotado de sacolas era algo de outro mundo, o que eu poderia fazer??? Aquilo era a minha realidade, o meu dia a dia, aquilo era normal pra mim!!!
Lembro que quando prestei vestibular, tive a oportunidade de fazer faculdade particular (seria custeada pelo meu pai): eu não quis! Seria bem mais fácil de ingressar, é verdade. Mas eu, com 17 anos, quis começar a ser independente, do meu jeito, é claro, como uma garota de 17 anos, que mora com os pais, poderia ser. Mas, fui lá, prestei vestibular, e passei! Na semana seguinte à minha aprovação, um carro zero na garagem de casa: era meu!! E eu nem imaginava que aquilo aconteceria!!! Segundo minha mãe, com o dinheiro que eles iriam investir pagando as mensalidades da faculdade particular, decidiram comprar o carro pra mim. Tem como ter vergonha disso? Na minha cabeça, não! Porque era a ordem natural do acontecimento das coisas, dentro da nossa realidade cotidiana, naquele tempo.
O fato é que muita gente acha que, por ter tido uma vida assim, tive uma vida perfeita. E, olha, minha vida, como a de qualquer outra pessoa normal e comum, está looooonge de ser perfeita!! Talvez, pra quem não tenha dinheiro ou boas condições financeiras, este seja exatamente o maior problema, o que os faz pensar que, se tiverem dinheiro, terão tudo! MAS, dinheiro não é, nunca foi e nem nunca será tudo! Sei de gente que viveu com tão pouco, mas que era tão feliz e tão satisfeito…! Meu relacionamento com meus pais, especialmente com meu pai, nunca foi dos melhores. Ele era presente, mas ausente, se é que dá pra entender. Hoje, depois da separação deles, nos damos muito bem, e eu sei que na verdade, querendo acertar comigo, ele acabou errando: ele não teve essas coisas todas vindas do meu avô, então quis dar aos filhos. Mas, se esqueceu do restante…da amizade, das conversas, do companheirismo mais forte que o autoritarismo, e por aí vai…(mas, chega de falar disso, talvez seja assunto de um post futuro). Digo isso pra que fique bem claro que apesar de sempre ter vivido bem e estável financeiramente, não tive uma vida perfeita: me faltaram diversas coisas, por outro lado. Coisas, talvez, muuuuuito mais valiosas do que todos os bens materiais que eu tinha!
Hoje, meus pais estão separados há uns 8 ou 9 anos e atualmente (ainda, por um breve espaço de tempo) moro com meu pai. Existe um patrimônio? Sim, existe! Mas, ele não é meu: é deles! É dele, aliás, a grande parte. Se vou herdar, ou o que vou herdar, honestamente, não é uma coisa na qual eu gaste tempo pensando…Sou e sempre serei grata aos meus pais por tudo o que eles me deram, e também pelo que eles NÃO me deram! E, engraçado que quando penso nisso, nas coisas que eu recebi deles ao longo da vida, só me vêm à memória bens imateriais…valores familiares, ser correta e leal, ter caráter, saber agradecer, saber dividir…
Agora, eu já sou “independente”. Tenho minha profissão, meu trabalho, uma renda razoável para minha faixa etária, pago minhas contas. E, olha, não digo isso pra “aparecer” não, sabe porque? Porque sei que eu não fiz e não faço nada além da minha obrigação, afinal, tenho 28 anos!!! Tenho sim, muitas bolsas e sapatos, sou fã de perfumes importados e hidratantes, adoro acessórios, bijuterias, jóias. Frequento o salão de beleza, academia, vou à praia nos finais de semana em que posso, vou pra balada dançar bate estaca com a turma sempre que tô afim (e solteira!), viajo sempre que tenho uma folguinha, adoro comer em restaurantes bons…e qual é o que problema que há nisso, pessoas?? Porque, ao mesmo tempo em que faço tudo isso, também sei economizar e ficar semanas e até meses sem comprar coisas “fúteis” pra mim. Nem cartão de crédito eu possuo!! Da mesma forma que vou a lugares onde se paga 60, 80 reais pra entrar, também sou plenamente capaz de ir a um local onde se paga 5 ou 10 reais e me divertir a noite inteira! Do mesmo modo que eu adoro comer uma boa comida em um bom restaurante, se eu precisar, também sei comer um PF de 5 reais, ou arroz, ovos e farinha, e sem reclamar! Eu amo pão integral com peito de peru defumado e mostarda importada, mas também sei que um pão francês com mortadela tem o seu valor! Viajo constantemente de avião, mas se tiver que ir de ônibus e acampar na beira da praia, eu faço isso na maior tranquilidade e alegria, sem problema algum! Sou poliglota, mas converso numa boa com o carinha da esquina que mal fala o português, e me divirto com ele! Me relaciono bem com a pessoa que possui doutorado em universidade renomada, mas também curto muito bater um papo ou poder ajudar (ou receber a ajuda) de quem sequer tem o ensino fundamental completo! Porque é assim que eu sou, é exatamente isso que eu sou: uma pessoa que não se rotula nem se limita a padrões pré-estabelecidos por terceiros! Se eu pudesse ter um rótulo, seria “não tenho rótulos!”.
Hoje, quando me “xingam” de burguesinha, sabe o que eu faço? Me calo! Se o destino assim quiser, o mundo vai dar umas voltinhas e a “burguesinha” aqui vai acabar se mostrando verdadeiramente, a quem a “xingou”. Não vale a pena perder tempo respondendo a esses “xingamentos”, ou querendo convencer os outros com argumentos, de que eu não sou o que eles acham que eu sou. Deixa pra lá….quem me conhecer de verdade, um dia vai saber que eu não sou nada disso, e então a gente vai rir muito disso, juntos, como eu faço até hoje com aquele meu amigo do primeiro emprego…
Desculpa, sei que o texto ficou muito grande. Mas acho que, na verdade, ele foi mais um desabafo, depois de ter passado muitos anos ouvindo esses “xingamentos”…